segunda-feira, dezembro 04, 2006

Escola a tempo inteiro, família a meio tempo

A escola é agora chamada a responder a questões que lhe são alheias, mas que a sociedade criou e não resolve, como a teoria da escola a tempo inteiro, para os pais poderem trabalhar. Ou seja, uma via para permitir o funcionamento do mercado de trabalho, mas que não compete à escola fazê-lo. Concordo com o princípio que a escola pode promover repostas extra-curriculares onde as famílias não necessitem de pagar para os filhos terem acesso a experiências, que de outra forma nunca teriam. Mas para isso é necessário salvaguardar o fundamento da escola e não o fazer à custa daquilo que a escola tem por missão e que é: ensinar. Embuido de um espírito neo-liberal grotesco, o nosso Ministério da Educação apresenta como a sua grande reforma o prolongamento do horário escolar. E aqui, mais uma vez, quando os princípios são baixinhos, o resultado é mau.
1- Estão neste momento a gastar-se centenas de milhares de euros em todo o país para pôr de pé um sistema de escola a tempo inteiro, envolvendo profissionais desqualificados e mal pagos, instalações improvisadas e autarcas que nunca cumpriram as suas obrigações de zelar pela escola do 1º Ciclo e que agora parece já terem rios de dinheiro. Mas para o essencial nunca há dinheiro. Aliás nem para foitocópias, nem para papel-higiénico...
2- Através de uma engenharia linguística conseguiu-se que os docentes do 1º Ciclo ficassem com a sua turma mais duas horas por semana, para além das 25, numa actividade chamada “Apoio ao Estudo” que, não sendo considerada tempo lectivo, obriga os sacrificados professores a prolongarem o seu dia de trabalho e, muitas vezes cortarem os dias a meio indo duas vezes à escola, com resultados medíocres e que só promovem o cansaço e a desautorização dos docentes.
3- Fazem-se horários lectivos cortados a meio onde os alunos vão para as actividades extra a meio do dia e depois voltam cansados e agitados, tendo o docente ficado à espera com o horário cortado e sem que lhe paguem essas horas. Isto tem enormes custos na actividade lectiva e na qualidade do ensino, mas parece que ninguém está interessado nisso. Muitas destas actividades são fora da escola em colectividades, envolvendo logísticas e custos brutais para um resultado final mínimo, para afinal encapotar subsídios a associações, em vez de dotar as escolas de meios para o fazer.
4- Muitos alunos ficam das 8h30 até às 17h30 na escola e, por vezes até mais, em caso dos horários duplos, revelando cansaço, desconcentração e menos valorização do essencial da escola a sério, querendo antes a escola a brincar que lhes é oferecida.
5- Os pais, que eventualmente querem ir buscar os filhos mais cedo, não podem, porque em muitos casos as horas lectivas terminam o dia e, portanto, o horário de permanência na escola passa a ser obrigatório sob pena de não terem todas as horas com o professor da turma.
6- Obrigam-se os agrupamentos a um esforço organizativo brutal, descentrando e desgastando a gestão e os docentes daquilo que realmente mereceria o seu empenho e trabalho.
Eu, que até sou pelo prolongamento de horários, nem quero acreditar que isso está neste momento a desgastar e desconcentrar os alunos, os professores e verbas astronómicas, atolando as crianças de actividades a um ritmo alucinante e (pior) a ter consequências negativas na aprendizagem, na qualidade do ensino, na organização e método dos professores e na organização das famílias, que ainda poderiam ter os seus filhos consigo mais cedo. É assim tão difícil a este ME fazer as coisas sem as estragar? Era assim tão difícil implementar as coisas com bom senso, com tempo, de acordo com as dinâmicas e necessidades de cada agrupamento de escolas? Seria assim tão difícil não comprometer os horários e as actividades lectivas? Seria tão difícil respeitar os docentes e o seu trabalho? Não há ninguém que veja que estas palhaçadas não contribuem em nada para a qualidade do ensino nem para a melhoria da formação dos jovens?

Comments:
Concordo com a análise que faz das escolas e dos professores.
É preciso ainda não esquecer que muitas famílias se demitem do papel formador dos seus filhos e esperem que sejam os outros que lhes formem o carácter e os mantenham ocupados até à hora do jantar!
 
Uma vez quatro alunos do 1º ciclo chegaram tarde à escola. O professor quis saber a razão. Os jovens responderam:
- Nós somos escuteiros e estivemos a ajudar uma velhinha a atravessar a rua.
O professor felicitou-os vivamente pela boa acção mas não deixou de estranhar: « Mas então foram necessários quatro meninos para ajudar uma velhinha a atravessar a rua?...»
E um dos miúdos explicou:
- Pois, mas é que ela não queria atravessar...

Esta história vem-me sempre à memória quando vejo a escola a fazer esforços inauditos para responder a necessidades que não são sentidas por todos, antes se destinam a alguns casos. Mas como é necessário massificar...

Esta questão das "actividades" é uma delas...
 
Enviar um comentário



<< Home
___________________________________________________________________________

This page is powered by Blogger. Isn't yours?